A condenação ilegal: parecer jurídico
O Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade é uma autoridade incontornável do direito criminal, um dos mais consagrados e prestigiados criminalistas portugueses e docente emérito da Universidade de Coimbra; é autor de uma extensa obra científica e doutrinal de conhecimento obrigatório para magistrados, docentes, advogados e estudantes de direito de todo o mundo lusófono, incluindo Angola. Entre muitos outros cargos, foi Juiz Presidente do Tribunal Constitucional de Portugal de 2016 a 2021.
O Professor analisou o acórdão condenatório proferido no processo de Carlos Manuel de São Vicente para emitir opinião no sentido de se saber se os factos nele tempestivamente dados como provados e imputados ao arguido podem sustentar a sua condenação pelos crimes de Peculato, Fraude Fiscal e Branqueamento de capitais. E, feita a análise, afirmou categoricamente que “…os factos tempestivamente dados como provados e imputados ao réu CARLOS VICENTE, não permitem a sua condenação a nenhum título pelos crimes de Peculato, Fraude Fiscal e Branqueamento de Capitais, pelos quais foi condenado em Primeira Instância”.
Esta afirmação decorre desde logo da circunstância, aliás facilmente observável por um jurista, de os factos dados como provados não preencherem os elementos típicos que constituem os referidos crimes.
Explica o Professor que, no crime de peculato, se pressupõe que tenha havido uma apropriação, pelo agente, de algo que antes já se encontrava legitimamente na sua posse. O agente limitar-se-ia a inverter o título de posse, ou seja, passar a considerar seu algo que já estava na sua posse por esta lhe ter sido confiada legitimamente. Desde logo, no Peculato não se verifica uma subtracção, a qual apenas ocorre quando a coisa ou valor está na posse de outrem. No caso concreto, “não é possível identificar na matéria provada factos correspondentes aos momentos nucleares da factualidade típica”, diz o Professor. “O que o Tribunal invoca são factos ou circunstâncias absolutamente anódinos e irrelevantes do ponto de vista da incriminação do Peculato”. O ilustre professor exemplifica com factos invocados pelo Tribunal, tal como, entre muitos outros, “…criar mecanismos ardilosos…” ou “… ter sobrefacturado os valores dos prémios e comissões…”, os quais são genéricos e vagos, não podendo, por isso, sustentar uma condenação.
Considera o Professor que “Nada, na verdade, permite referenciar e identificar, claramente individualizada e definida, a coisa ou valor que tivesse sido objecto de concretos e definidos actos de apropriação”. E prossegue: “Em definitivo, o douto acórdão recorrido limita-se a sinalizar um complexo amálgama de factos e circunstâncias genéricos que não correspondem, nem de perto nem de longe, aos momentos da factualidade típica da infracção. Não podendo, como tais, sustentar a condenação do réu, a nenhum título, pelo crime de Peculato. Pelo menos enquanto subsistir o propósito de respeitar o conteúdo de garantia do imperativo constitucional de legalidade, nullum crimen sine lege”.
Quanto ao crime de Fraude Fiscal, o Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade ensina que o acórdão proferido assenta num regime jurídico que não é o vigente em Angola, porque se afasta da respectiva tipificação tal como desenhada no art. 172.º do Código Geral Tributário de Angola.
Além disso, observa-se a “impossibilidade de referenciar entre os factos dados como provados e imputados ao réu Carlos Vicente os factos correspondentes aos pressupostos objectivos e subjectivos da factualidade típica da incriminação de Fraude Fiscal”.
Mais ainda, “… para se poder pertinentemente falar de Fraude Fiscal, importaria identificar a sua medida. Importaria, noutros termos, identificar o objecto do crime: o montante do imposto em cada situação concreta devido e, por isso, o resultado do prejuízo em cada situação concreta causado ao Fisco ou do enriquecimento ilegítimo do agente. Uma exigência que não pode minimamente considerar-se satisfeita com a menção da soma global dos proventos dos negócios realizados”. O acórdão proferido é absolutamente omisso a este respeito, pela simples razão de que nenhuma prova foi produzida quanto a essas concretas situações.
Já no que respeita ao crime de Branqueamento de Capitais, o Prof. Doutor conclui que esse crime está afastado pelo facto de não se poder invocar para o efeito, como crime precedente, nem o Peculato nem a Fraude Fiscal. Salienta ainda, no respeitante ao Branqueamento, que o arguido foi condenado pelo designado “crime continuado”, o que só seria possível identificando as singulares e concretas manifestações do ilícito típico, “ou seja, a identificação das sucessivas e diferentes parcelas de dinheiro (ilicitamente) obtido à custa dos singulares actos de Peculato e de Fraude Fiscal e, como tal, envolvido nas práticas de lavagem. Coisa de que, mais uma vez, o Tribunal a quo não curou”.
Outra não podia ser a conclusão do emérito Professor senão a de que os factos dados como provados e imputados a Carlos São Vicente não permitem a sua condenação, a nenhum título, pelos crimes de Peculato, Fraude Fiscal e Branqueamento de Capitais.
O parecer do Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade vem corroborar o que a defesa de Carlos São Vicente vem sustentando, isto é, que a condenação deste se baseia não em factos concretos provados e individualizados, mas em meras afirmações genéricas e vagas legalmente insuficientes para se darem como provados os factos que permitam a sua subsunção em qualquer tipo legal de crime.
E se outros pareceres, de insuspeitos e independentes criminalistas, fossem emitidos, não seria outra a conclusão. Só a máquina de propaganda contra o arguido é que poderá ter influenciado a opinião de quem não conhece o processo ou não domina os princípios jurídicos básicos de um julgamento justo.
Leia mais

Videos

Ordens Superiores Condenam à Morte
ARTUR QUEIROZ O país está em choque ante a evidência da podridão da Justiça que levou à asfixia do primado da Lei. Valor mais alto se levantou: As ordens superiores! O Estado de Direito foi capturado pelos ordenantes. A magistratura judicial é abandalhada, desprestigiada e publicamente corrompida por um Decreto Presidencial impensável mas também inadmissível. […]