
O sucesso empresarial de São Vicente
Em Agosto de 2020, a notícia de uma conta na Suíça pertencente a Carlos São Vicente escandalizou a imprensa e redes sociais angolanas. Pouco depois foi objecto de uma intensa campanha mediática dos órgãos de imprensa estatais que o rotularam de “marimbondo”, afirmando a origem criminosa desses fundos, condenando-o publicamente. Afinal, quaisquer que fossem os seus negócios, como seria possível ter Carlos São Vicente amealhado tanto dinheiro de forma legal? Nem os espíritos mais imparciais terão ficado indiferentes à revelação daqueles números.
Carlos São Vicente sempre afirmou que o dinheiro tem origem na actividade que exerceu legalmente e à qual se dedicou, durante quase duas décadas, com a sua competência e grande empenho.
Provêm esse dinheiro de fraude ou do seu sucesso empresarial?
A oportunidade de negócio
No final da década de 90, Carlos São Vicente era Director de Gestão de Riscos da SONANGOL EP. Ele compreendeu e expôs à Concessionária a fragilidade dos moldes em que vinha sendo efectuado o seguro das actividades petrolíferas e os consideráveis riscos e consequências resultantes da prática existente, dada a exposição de toda a economia nacional aos riscos daquela actividade. Desse estudo e das soluções preconizadas nasceu o Dec. n.º 39/01, de 22 de Junho (publicado no D.R., nº 28, I Série, de 22 de Junho de 2001), que aprovou o Regulamento das Actividades de Gestão de Riscos das Operações Petrolíferas. No âmbito desse diploma, cabia à SONANGOL EP assegurar a protecção de todas as pessoas, activos e rendimentos das Áreas de Concessão, com metodologia adequada para a identificação, avaliação e análise de riscos e implementação de uma estrutura que incluía as actividades de seguro, resseguro, mediação, corretagem e serviços conexos.
Vivia-se no país um período de pacificação, de liberalização da economia e do incentivo à iniciativa privada. Foi aprovada a Lei n.º 1/00 (Lei Geral da Actividade Seguradora), de 3 de Fevereiro (publicada no D.R. n.º 5, I Série, de 3 de Fevereiro de 2000), que pôs fim ao monopólio da seguradora estatal. O Governo e o partido no poder anunciaram o propósito e a necessidade de criação de um empresariado angolano forte, para desenvolvimento de projectos com viabilidade técnica, económica e financeira. Esta política foi desde logo promovida e viria a ser consagrada com a entrada em vigor da Lei n.º 14/03, Lei do Fomento do Empresariado Angolano. As empresas públicas de maior porte financeiro, como a SONANGOL EP, foram definidas como promotoras desta política, tendo competência para estabelecer parcerias com pessoas ou entidades privadas, financiá-las, atribuir-lhes subvenções e participar inicialmente no seu capital, o qual deveria ser depois alienado preferencialmente aos parceiros angolanos logo que verificada a viabilidade do projecto.
Neste contexto, surgiu como viável e até natural a oportunidade dada a Carlos São Vicente de participar, com interesse próprio, na criação e operacionalização de sociedades na área de seguro e resseguro para implementação da estratégia de gestão de risco das actividades petrolíferas, sob supervisão da SONANGOL, EP.
Aquisição de sociedades
A constituição, em Angola, de sociedades com a marca comum AAA, teve o impulso inicial da SONANGOL EP no ano 2000. Neste contexto, a AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA, anterior holding do grupo, viria a ser criada em 2000.
Dois anos mais tarde, por uma decisão unânime do Conselho de Administração, a SONANGOL EP vendeu 49% da sua participação social nesta sociedade a AAA (ANGOLA) INVESTORS LTD. Esta cessão de capital social cumpriu todos os requisitos legais, desde a deliberação do Conselho de Administração, aprovação pela ANIP (Agência Nacional do Investimento Privado), controlo pelo BNA (Banco Nacional de Angola), formalização por escritura notarial e publicação no Diário da República. Para o pagamento dessa participação, procedeu-se à importação de capital, nos termos de licença de importação de capitais emitida e controlada pelo BNA.
As contas auditadas de AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA do ano de 2002 confirmam expressamente a evolução da estrutura societária e também confirmam que o capital social foi integralmente subscrito pela SONANGOL EP e AAA (ANGOLA) INVESTORS LTD.
Volvidos cerca de dois anos, o Conselho de Administração da SONANGOL EP deliberou, sempre por unanimidade, e a ANIP aprovou, a alienação de mais 21% do capital social da AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA.
A aquisição desta quota de 21% foi igualmente verificada e está reflectida nas Contas Auditadas da AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA de 2004, as quais atestam a nova distribuição do capital social.
O capital social foi integralmente subscrito e realizado e a estrutura societária da sociedade passou a ser:
Entidade % Participação
SONANGOL EP 30
AAA (ANGOLA) INVESTORS LTD 70
Todo o processo de transmissão dessas participações foi devidamente autorizado, está documentado e os pagamentos estão comprovados, conforme quitação dada e contas da AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA, auditadas por uma das grandes auditoras de prestígio internacional.
Com respeito à sociedade de seguros angolana AAA SEGUROS SA, foi feito um aumento de capital em 2012, no qual a SONANGOL HOLDING SA decidiu não participar, diluindo a sua percentagem nessa sociedade. Esse aumento de capital foi celebrado por escritura notarial de 10 de Maio de 2012, publicada no D.R. n.º 178, III Série, de 14 de Setembro do mesmo ano, e a sua realização encontra-se, uma vez mais, comprovada nas Contas Auditadas da sociedade AAA SEGUROS SA de 2012.
O capital social encontra-se integralmente subscrito e realizado e a estrutura societária é a seguinte:
Entidade: | % participação |
AAA ACTIVOS LDA | 87.89% |
SONANGOL HOLDING, SA | 10.00% |
AAA PENSÕES | 1.0% |
CARLOS MANUEL DE SĀO VICENTE | 1.0% |
BAI – BANCO ANGOLANO DE INVESTIMENTO SA | 0.11% |
Por conseguinte, a aquisição ou subscrição dessas várias participações, bem como o seu pagamento e realização, são absolutamente indesmentíveis, contrariamente ao que vem sendo propalado em alguma imprensa.
Por outro lado, em 2001 a AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA obteve financiamento de todos os sócios do grupo AAA para a constituição de várias participadas e sua operacionalização.
Em Bermuda e Reino Unido foram constituídas pela AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA várias sociedades para prestação de serviços de resseguro, mediação, corretagem e serviços financeiros conexos, como engenharia e serviços de risco. Foi adquirida à SONANGOL EP uma sociedade inactiva, depois rebaptizada de AAA REINSURANCE LDA.
Todas as operações de financiamento dos sócios, constituição de sociedades, transmissão de participações sociais e reembolsos dos financiamentos estão demonstradas nas contas da AAA SERVIÇOS FINANCEIROS LDA, auditadas por uma sociedade auditora de renome internacional. São operações realizadas com transparência e documentalmente comprovadas.
Desenvolvimento do negócio e transparência
O negócio consistiu em serviços de protecção financeira às actividades petrolíferas, através do seguro e resseguro dos riscos dessas actividades, bem como na prestação de serviços financeiros conexos. A AAA SEGUROS SA foi designada líder do co-seguro das actividades petrolíferas, que integrava todas as demais seguradoras existentes no país.
Os riscos da actividade petrolífera eram segurados pela AAA SEGUROS SA que, por sua vez, os ressegurava junto de resseguradoras internacionais. Por falta de capacidade financeira das seguradoras nacionais, não era feita a retenção líquida de qualquer parte dos riscos, situação que não diferia da pré-existente. No antecedente, os riscos dos seguros das actividades petrolíferas efectuados pela ENSA sempre foram integralmente transferidos para resseguradoras estrangeiras.
A integração nas sociedades AAA dos vários serviços prestados, o nível de eficiência introduzido e a proximidade com a Concessionária permitiram que fossem identificados e avaliados riscos nas actividades petrolíferas que até então não eram cobertos ou não eram correctamente avaliados.
Os prémios de seguros eram calculados com base nos valores praticados pelas resseguradoras, a que acresciam as comissões de corretagem praticadas na actividade seguradora, segundo as melhores práticas internacionais. Uma vez elaborada uma proposta de seguro, esta era discutida em reuniões com a Operadora do Bloco que incluíam ainda o Presidente da Comissão de Operações do Bloco e representantes da Direcção de Gestão de Riscos da SONANGOL EP. Além disso, às resseguradoras cativas das Operadoras era reservada uma parte dos riscos ressegurados, pelo que também estas detinham a informação e o controlo da estrutura dos prémios. A fixação dos prémios era, por isso, efectuada de forma transparente, com a intervenção de todas as partes envolvidas ou interessadas nas operações.
Um estudo elaborado por uma prestigiada auditora internacional, concluíu que os prémios de seguro praticados pela AAA SEGUROS SA se situavam abaixo da média dos prémios praticados nas actividades petrolíferas nos restantes países africanos.
O resseguro
Quando o valor dos riscos é muito elevado, as seguradoras transmitem-nos para as resseguradoras. Estas aceitam os riscos segurados pelas seguradoras, permitindo que estas últimas aceitem riscos muito superiores à sua própria capacidade financeira. Por seu lado, as resseguradoras repartem entre si parcelas dos riscos aceites, gerindo a sua própria exposição a esses riscos. As resseguradoras são as seguradoras das seguradoras, mega sociedades financeiras que controlam os seguros a nível mundial.
As Operadoras têm as suas próprias resseguradoras, as denominadas resseguradoras cativas, as quais participavam igualmente na partilha e aceitação dos riscos ressegurados.
As seguradoras, de muito menor porte financeiro, podem nem sequer efectuar a retenção líquida de qualquer parcela do risco, limitando-se a auferir as comissões de cedência às resseguradoras. Por isso, os prémios de seguro eram transferidos, na quase totalidade, para as resseguradoras estrangeiras.
Este era o caso da aceitação do risco das actividades petrolíferas em Angola: inexistindo qualquer resseguradora em Angola e por falta de capacidade financeira das seguradoras nacionais, os riscos aceites pela AAA SEGUROS SA. eram colocados em resseguradoras estrangeiras. Já assim sucedia antes da constituição da AAA SEGUROS SA, quando esses riscos eram aceites pela ENSA, e continuou a sê-lo, com a ENSA, depois de retirada a liderança do co-seguro à AAA SEGUROS SA.
Não obstante o interesse das seguradoras na aceitação e colocação desses riscos, facilmente se compreende que são as resseguradoras que retêm os maiores proveitos dessa actividade.
A resseguradora do grupo obteve a necessária protecção financeira para conseguir efectuar a retenção líquida de uma parcela do resseguro a par das demais resseguradoras que partilhavam a aceitação desses riscos. Esta tornou-se a principal fonte de receita do grupo AAA.
O contexto económico do desenvolvimento da actividade
Chegados a este ponto persiste a pergunta: como pode tal actividade ter gerado resultados tão elevados como a existência do saldo bancário na Suiça parece denunciar?
A verdade é que é e foi possível.
Em primeiro lugar, o período de 2000-2015 representa o “boom” da indústria petrolífera em Angola e do elevado crescimento da economia do país, o que se deveu ao forte investimento das empresas petrolíferas na exploração em águas profundas e no pré-sal.
Na verdade, foi realizado um investimento massivo na prospecção e produção de petróleo, foram feitas descobertas petrolíferas e desenvolvidos novos campos; as tradicionais plataformas de exploração, testemunharam o aparecimento dos FPSO (Floating Production Storage and Offloading), gigantescos equipamentos flutuantes de produção e armazenamento de hidrocarbonetos, indispensáveis na exploração em águas profundas, cujo preço unitário pode ascender a milhares de milhões de dólares; a produção de Angola atingiu 2.000.000 de barris/dia, passando a disputar com a Nigéria o lugar de maior produtor de petróleo da África subsariana.
O aumento brutal do investimento realizado nas operações petrolíferas, traduziu-se num grande aumento do número de pessoas, de operações, de activos e de produção, fazendo disparar necessariamente os riscos seguráveis, e consequentemente o valor dos prémios, incomparáveis com os de anos anteriores.
Esta situação manteve-se até 2015, altura em que o “crash” do preço do petróleo e algumas políticas adoptadas, levaram ao desinvestimento nas operações petrolíferas por parte das Operadoras.
Em segundo lugar, a AAA SEGUROS SA introduziu um maior rigor na identificação, análise e avaliação de riscos seguráveis, para eficaz protecção da economia nacional, pondo termo à falta de eficiência antes revelada pela ENSA nesse domínio.
A par do enorme crescimento do valor dos prémios pelas razões referidas, Angola teve a felicidade de registar uma baixa sinistralidade nas operações petrolíferas (situação que, aliás, também se verificou antes e depois do período em que a AAA SEGUROS SA liderou o co-seguro).
E, por fim, não é despiciendo recordar que os ganhos não foram gerados em apenas alguns exercícios, mas antes ao longo dos 16 anos durante os quais a AAA SEGUROS SA liderou o co-seguro das actividades perolíferas, permitindo à AAA acumular ganhos muito superiores ao que era expectável quando o grupo foi constituído.
Aos resultados gerados pela actividade seguradora e resseguradora adicionaram-se ganhos financeiros de diversas aplicações, em Angola e no estrangeiro, e os resultados de vários investimentos (v.g. actividade imobiliária e hoteleira) em que, entretanto, a AAA investiu.
A AAA SEGUROS SA sempre pagou os impostos relativos aos resultados da sua actividade, cumprindo integralmente as suas obrigações fiscais. As resseguradoras estrangeiras cumpriam as suas obrigações fiscais nos países em que estavam constituídas e exerciam a sua actividade.
Investimento em Angola
Ao passo que, quer antes quer depois da liderança do co-seguro pela AAA SEGUROS SA, nenhuma das resseguradoras estrangeiras investia em Angola um único cêntimo dos seus elevados lucros, Carlos São Vicente investiu fortemente no país, criando um importante património imobiliário e a maior rede hoteleira do país; no total, construiu mais de 100 edifícios, distribuídos por todas as províncias do país; criou empregos que sustentaram centenas de famílias angolanas; criou riqueza e alimentou, com os impostos pagos, os cofres das finanças públicas.
Actualmente, depois de Carlos São Vicente ter sido privado de gerir a rede hoteleira, grande parte dos hotéis AAA estão fechados e os restantes funcionam em serviços mínimos; os empregados que não foram despedidos recebem salários com meses de atraso, os fornecedores não são pagos e as obrigações fiscais deixaram de ser cumpridas.
É legítimo perguntar-se: se Carlos São Vicente foi autorizado a exercer a actividade descrita e o fez de forma inteiramente legal; se é demonstrado que a riqueza acumulada em cerca de 20 anos se deve à oportunidade de negócio, à sua competência e às circunstâncias favoráveis do mercado; se a prova demonstra a legalidade destas actividades e dos rendimentos relacionados; se, em resumo, Carlos São Vicente é inocente das acusações contra ele engendradas, por que motivo foi preso? Essa é uma história a contar proximamente, mas quem não for ingénuo já conhece as respostas….
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