Declaração de François Zimeray sobre a abertura do julgamento de Carlos Manuel de São Vicente

Bom dia, venho falar-vos do processo de Carlos Manuel de São Vicente, que irá decorrer dentro de alguns dias. Conforme vos disse anteriormente, ocupo-me de uma área no âmbito deste processo que se refere ao respeito pelos Direitos Humanos. O que são os Direitos Humanos? Consistem no direito ao processo equitativo, a um processo justo, no direito à presunção de inocência, ou seja, a ver e a tratar as pessoas como inocentes até que sejam julgadas. Trata-se do direito a ser-se julgado por uma justiça totalmente imparcial e independente do poder instituído. Trata-se de direitos que são garantidos a cada pessoa, tanto à mais pobre como à mais rica. É isso que dá uma grande dimensão aos Direitos Humanos, que são invocados em todo o mundo por pessoas que querem ser respeitadas na sua dignidade de ser humano. É esse o caso, conforme é do vosso conhecimento, de Carlos Manuel de São Vicente, empresário angolano que dedicou a vida à sua empresa. 30 anos de trabalho, 30 anos de desenvolvimento num setor que não é um setor predatório, que não é um setor de exploração, mas um setor de serviços. Poderia ter fugido, mas não o fez.

Contribuiu indubitavelmente para a criação de empregos no setor hoteleiro. Trata-se de alguém que, desde que está detido, clama a sua inocência. A sua mensagem é a de alguém que não está acima da lei, devendo responder às acusações que lhe são feitas (e está impaciente por poder fazê-lo), mas espero que seja julgado por juízes independentes e imparciais. Até ao momento, não houve independência nem imparcialidade. Não sou só eu que o afirmo; um despacho da justiça espanhola recusou uma cooperação judicial com Angola devido ao facto de as autoridades angolanas não serem independentes. Do mesmo modo, não tenho qualquer dúvida quanto ao facto de a justiça suíça vir a recusar cooperar com um regime que não respeita as regras do processo justo. Porque é que digo que as regras do processo justo foram violadas desde o início? Em primeiro lugar, porque foi apresentado perante a opinião pública como culpado. Foi desencadeada pela imprensa angolana uma verdadeira campanha de difamação contra ele. Alguma vez se viu alguém a defendê-lo? Não. Foi apresentado como culpado e tratado como tal, tendo sido atirado para uma prisão sem possibilidade de se defender, de se explicar, de se justificar, e isso não é normal. Um dos seus principais advogados, um advogado histórico que trabalhou com ele durante muito tempo e em quem confiava totalmente, não vai ser autorizado a intervir por ele no processo. E este facto, o da livre escolha de um advogado, faz parte das regras de um processo justo em qualquer parte do mundo. Apesar de tudo, confio na justiça de Angola e espero verdadeiramente que todas estas violações sejam denunciadas e condenadas pelos juízes. Esse papel cabe aos juízes.

É o papel dos juízes tirar as consequências do processo que vão ter em mãos, de afirmar que a instrução lhe foi imputada, que a presunção de inocência não foi respeitada, que esta detenção foi verdadeiramente arbitrária, conforme o denunciámos junto da Comissão Africana dos Direitos Humanos e junto das Nações Unidas. Espero que este processo possar dar origem a um debate contraditório e que nesse momento surja uma outra verdade.

Se sou obrigado a dirigir-me a vocês desta forma, é também porque houve jornalistas angolanos que me disseram que não podiam escrever o que pensam, embora esta situação já vocês conheçam melhor do que eu; não tenho a pretensão de vos dar conta do que se passa no vosso país, vocês sabem que é verdade. E, num país onde os jornalistas não podem escrever o que consideram justo e não podem contestar determinadas decisões, será que os juízes podem fazê-lo…? Vou esperar para ver o que acontece. Vou acompanhar este processo com muita atenção e não sou, aliás, o único a fazê-lo: nas Nações Unidas, a dois passos daqui, em Paris ou na Comissão Africana dos Direitos Humanos, haverá muita gente a olhar para o que se passa naquela sala de audiências e espero verdadeiramente que, à medida que se desenrolam as sessões do tribunal, surja uma outra verdade.

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