Os advogados de Carlos Manuel de São Vicente falam diante do silêncio das autoridades angolanas.
Bom dia.
Devem estar a perguntar-se por que advogados estrangeiros estão interessados em um caso angolano. A razão é simples: porque os advogados angolanos não têm a liberdade que temos de comentar e, por vezes, de criticar o funcionamento da justiça angolana e as suas sanções também. É isto que estamos a fazer no caso do Senhor São Vicente.
Primeiro, gostaria de relembrar o que sempre disse: ninguém está acima da lei, nem o Senhor São Vicente nem qualquer outra pessoa, especialmente em Angola. Temos plena consciência do sentimento que grande parte dos habitantes deste país tem em relação às desigualdades e às injustiças de todos os tipos. Mas, cometer uma injustiça não é a forma de corrigir outra injustiça.
Há dois anos atrás, denunciamos. Eu assisti ao julgamento do Sr. São Vicente e vi que o processo não decorria normalmente, que os advogados não tinham toda a liberdade que deveriam ter e que, na realidade, havia um viés hostil contra o Senhor São Vicente.
Como sabem, não é por acaso que o símbolo da justiça é uma balança. E esse julgamento foi desequilibrado.
Como não conseguimos justiça em Angola, fomos bater à porta do Alto Comissariado para os Direitos Humanos em Genebra. Aí, encontramos uma instituição que se debruçou sobre o caso do Senhor São Vicente e que, após quase dois anos de trabalho e diálogo com as autoridades angolanas, emitiu uma decisão extremamente clara e severa para a justiça angolana.
Essa decisão está aqui. Tem dezasseis páginas. Podem acessá-la no site das Nações Unidas, na secção do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária. E o que diz? Diz, em primeiro lugar, que o Senhor São Vicente não teve um julgamento equitativo. Isso significa simplesmente que não houve justiça, que a sua presunção de inocência foi violada.
O que isso significa? Significa, na realidade, que ele foi considerado culpado antes mesmo de ser julgado. Que foi colocado em desvantagem em relação ao procurador, quando, como sabem, para que a justiça funcione, é necessário haver um equilíbrio entre a acusação e a defesa. Ora, ali, não houve absolutamente equilíbrio nenhum, e ele não pôde acessar as acusações contra si para poder apresentar sua defesa a tempo.
Além disso, as Nações Unidas expressaram sérias preocupações sobre as condições de sua prisão e sobre seu estado de saúde. Elas pedem que Angola o liberte e ponha fim a essa situação que é simplesmente ilegal. Por que ilegal? Porque há as leis de cada país, claro, mas cada país também assina tratados, convenções internacionais que se tornam obrigatórios. E os tratados sobre direitos humanos são para os países como contratos. Uma vez que um país assina, ele compromete-se. No entanto, Angola viola os grandes textos internacionais sobre o julgamento justo, como dizem. Não sou eu quem o diz, mas sobretudo as Nações Unidas.
Por que estou aqui a dizer-vos isso? Porque nas suas decisões, as Nações Unidas pediram às autoridades angolanas que tornassem pública essa opinião, e elas não o fizeram. Então, se me veem, é porque o Estado angolano não fez o seu trabalho.
Vi que o Procurador-geral de Angola afirmou que não estava informado dessa decisão. Isso é falso, pois o representante de Angola nas Nações Unidas foi imediatamente informado, antes mesmo de nós, dessa decisão. Portanto, Angola foi oficialmente informada pelos canais diplomáticos. Agora, se a diplomacia angolana não transmitiu isso à justiça angolana, o que é possível, é um problema de burocracia angolana. Mas certamente não é do lado das Nações Unidas que se deve procurar a responsabilidade. O Procurador-geral alegar não ter recebido a decisão é um pouco ligeiro perante as acusações formuladas contra a administração da justiça em Angola pelas Nações Unidas, o que não é pouca coisa. Não é uma decisão leviana, é uma decisão etxremamente minuciosa como o poderão constatar no site das Nações Unidas, no Alto Comissariado para os Direitos Humanos, no Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária e aí verão como a vossa justiça é julgada por especialistas dos direitos fundamentais.
Mais uma vez, esta luta não é apenas por um homem que, como todos, tem as suas qualidades e os seus defeitos; é uma luta pela justiça. E se não lutarmos pela justiça para aqueles que têm meios para se defender e estar no centro das atenções, acreditem, não estaremos a lutar pela justiça para aqueles cujo destino não interessa a ninguém.
O que fazer, então? Penso que a sensatez é, antes de mais, ouvir o que as Nações Unidas pedem: que Angola conduza uma investigação imparcial para descobrir por que a justiça não funcionou neste caso e, especialmente, em primeiro lugar, começar por libertar o Senhor São Vicente, pois é o que pedem as Nações Unidas.